Terapia Gênica: novas pesquisas
Publicado em: 15/08/2024, 12:35
A Terapia Gênica tem se consolidado como uma das áreas mais promissoras na Medicina Moderna, oferecendo soluções inovadoras para tratar e para prevenir doenças genéticas sem opções terapêuticas eficazes.
Neste artigo, discutiremos os avanços recentes da Terapia Gênica, com um foco especial na tecnologia eePASSIGE, e o impacto desses desenvolvimentos no tratamento de diversas doenças.
O que é Terapia Gênica?
A Terapia Gênica é definida como a introdução, a remoção ou a alteração do material genético dentro das células de um paciente para tratar ou para prevenir doenças. Existem dois principais tipos de Terapia Gênica: in vivo e ex vivo.
A Terapia Gênica in vivo envolve a entrega direta do material genético nas células do paciente. Subtipos incluem:
- Vetores virais ‒ Utilização de vírus, como adenovírus ou vírus adeno-associados (AAV), para entregar genes terapêuticos.
- Lipossomas ‒ Partículas lipídicas que encapsulam o material genético e facilitam sua entrega nas células alvo.
- Nanopartículas poliméricas ‒ Utilizadas para transportar e liberar genes terapêuticos diretamente nas células do paciente.
As vacinas de mRNA contra a covid-19, desenvolvidas pela Moderna e pela Pfizer-BioNTech, são um exemplo prático. Essas vacinas utilizam mRNA para instruir as células do corpo a produzir uma proteína do vírus SARS-CoV-2, desencadeando uma resposta imune.
A Terapia Gênica ex vivo envolve a coleta das células do paciente, a modificação genética dessas células em laboratório e, posteriormente, a reintrodução das células modificadas no corpo. Subtipos incluem:
- Células T ‒ Modificação de linfócitos T para expressar receptores específicos que reconhecem células tumorais.
- Células-tronco hematopoéticas ‒ Modificação de células-tronco para tratar doenças genéticas do sangue, como a anemia falciforme.
- Células epidérmicas ‒ Utilização de células-tronco da pele para tratar doenças, como a epidermólise bolhosa.
Um exemplo notável é a terapia CAR-T (Chimeric Antigen Receptor T-cell) para o tratamento de certos tipos de câncer, como leucemia e linfoma. Nessa abordagem, os linfócitos T do paciente são geneticamente modificados para reconhecer e atacar as células cancerígenas.
Tecnologias de edição gênica
Várias tecnologias de edição gênica têm se destacado, incluindo CRISPR-Cas9, TALENs e ZFN. Estas são ferramentas de edição gênica usadas para introduzir alterações precisas no DNA.
- CRISPR-Cas9: Utiliza uma sequência de RNA guia para direcionar a enzima Cas9 a um local específico no genoma, onde faz um corte duplo na molécula de DNA. Esse método é conhecido por sua precisão e sua eficiência.
- TALENs (Transcription Activator-Like Effector Nucleases): Utilizam proteínas específicas que se ligam a sequências de DNA desejadas e nucleases que cortam o DNA. TALENs são conhecidos por sua especificidade, mas são mais complexos de projetar em comparação ao CRISPR.
- ZFN (Zinc Finger Nucleases): Envolve a utilização de proteínas chamadas dedos de zinco para se ligarem ao DNA e nucleases para realizar cortes. ZFNs fizeram parte das primeiras tecnologias de edição gênica, mas são menos utilizadas atualmente devido à complexidade de seu design.
Recentemente, em junho de 2024, uma publicação descrevendo o método de edição gênica eePASSIGE surgiu como uma inovação significativa na área.
O método eePASSIGE
Desenvolvido no laboratório de David Liu no Broad Institute of MIT e Harvard, o eePASSIGE (Prime-Editing-Assisted Site-Specific Integrase Gene Editing) representa mais um avanço nas técnicas de edição gênica.
Essa técnica combina a “edição prime” com enzimas recombinases especiais, que inserem longas sequências de DNA em pontos específicos do genoma.
Utilizando uma versão melhorada da enzima Bxb1, chamada eeBxb1, o eePASSIGE permite a integração eficiente de grandes segmentos de DNA, facilitando a edição de genes inteiros. Isso resulta em uma taxa de sucesso quatro vezes maior do que métodos anteriores.
Na prática clínica, essa tecnologia tem potencial para tratar várias doenças genéticas monogênicas, como a fibrose cística e a doença de Stargardt, que resultam de centenas de diferentes mutações no mesmo gene.
O eePASSIGE pode ser combinado com sistemas de entrega como partículas semelhantes a vírus, ampliando o alcance das terapias gênicas para condições raras e complexas que não tinham tratamentos eficazes até então.
Panorama atual da Terapia Gênica
A Terapia Gênica evoluiu consideravelmente desde seus primeiros desenvolvimentos. Em 2023, havia mais de 100 terapias gênicas, celulares e de RNA aprovadas globalmente, com mais de 3.700 em desenvolvimentos clínico e pré-clínico. Essas terapias são projetadas para corrigir diretamente as causas genéticas subjacentes de várias doenças, oferecendo uma abordagem de Medicina de Precisão.
Impacto dos avanços da Terapia Gênica no tratamento de doenças
Os avanços na Terapia Gênica têm proporcionado novas esperanças para pacientes com doenças genéticas anteriormente sem tratamentos eficazes. Algumas dessas condições incluem:
- Atrofia muscular espinhal (AME) ‒ A terapia com os medicamentos nusinersena (Spinraza) e onasemnogene abeparvovec (Zolgensma) demonstrou benefícios clínicos significativos, oferecendo tratamento para pacientes de todas as idades.
- Fibrose cística ‒ A Terapia Gênica tem potencial para substituir o gene CFTR mutado por uma cópia saudável, proporcionando uma possível cura para essa doença debilitante.
- Doença de Stargardt ‒ A substituição do gene ABCA4 mutado por meio da Terapia Gênica pode oferecer esperança para pacientes que sofrem de perda de visão progressiva.
Além dessas, doenças, como hemofilia A e B, distrofia muscular de Duchenne e diversas formas de câncer têm sido alvo de estudos de Terapia Gênica, mostrando resultados promissores em ensaios clínicos.
Desafios e perspectivas futuras
Apesar dos avanços significativos, a terapia gênica ainda enfrenta vários desafios. A eficiência e a segurança das técnicas de entrega de genes, bem como a possibilidade de efeitos off-target, são áreas de preocupação contínua. No entanto, a evolução das tecnologias de edição gênica, como o eePASSIGE, oferece uma perspectiva otimista para o futuro da Terapia Gênica.
A combinação de métodos inovadores, como o eePASSIGE, com avanços em Biotecnologia e em Engenharia Genética promete expandir ainda mais as fronteiras da Medicina de Precisão. À medida que mais estudos clínicos são realizados e a compreensão dos mecanismos subjacentes das doenças genéticas aumenta, espera-se que novas terapias gênicas continuem a emergir, oferecendo esperança renovada para milhões de pacientes em todo o mundo.
REFERÊNCIAS
- CHANCELLOR, D. et al. The state of cell and gene therapy in 2023. Molecular Therapy, 2023). v. 31, p. 3376-3388.
- eePASSIGE engineers gene-sized edits in human cells. Genetic Engineering & Biotechnology News. 2024.
- LIU, D. et al. Efficient site-specific integration of large genes in mammalian cells via continuously evolved recombinases and prime editing. Nature Biomedical Engineering. 2024.