Métodos Laboratoriais para diagnóstico da infecção pelo SARS-CoV-2
Publicado em: 03/04/2020, 12:40
O segundo quadrimestre do ano 2020, marcado pela caracterização da pandemia do coronavírus, com números crescentes de indivíduos contaminados, casos graves, óbitos, e infecções em grande contingente de profissionais da saúde, traz também uma nova fase para o diagnóstico laboratorial da infecção, tendo como objetivo identificação de casos, contenção da epidemia e retorno ao trabalho dos profissionais da saúde.
A detecção do vírus por RT-PCR em tempo real (reação em cadeia da polimerase com transcrição reversa) permanece sendo o teste laboratorial de escolha para o diagnóstico de pacientes sintomáticos na fase aguda. Entretanto, trata-se de tecnologia que atualmente requer laboratórios especializados, cujo quantitativo de equipamentos e insumos é limitado e o tempo de execução é relativamente demorado, o que limita o número de testes que efetivamente podem ser oferecidos dentro de um prazo de resultado razoável. Algumas tecnologias baseadas em testes rápidos moleculares estão em fase de lançamento e licença, não estando ainda disponíveis no mercado brasileiro. É importante considerarmos também outras limitações da RT-PCR com relação ao valor preditivo do resultado negativo: em pacientes assintomáticos, possui valor preditivo relativamente baixo, o que significa que um resultado negativo não exclui a infecção. Da mesma forma, em pacientes convalescentes, a tendência é uma menor recuperação de RNA viral no material coletado (a depender de variáveis relacionadas ao paciente, quadro clínico e amostra clínica testada, a partir de 7 dias do início dos sintomas). Além disso, as técnicas moleculares são bastante dependentes da fase préanalítica, necessitando de uma boa técnica de coleta de material de naso e orofaringe e/ou trato respiratório inferior, sua conservação e transporte até o momento da análise.
Os testes imunológicos vêm ganhando destaque tanto na imprensa leiga quanto especializada no Brasil, e são baseados na resposta de anticorpos produzidos pelo organismo frente à infecção pelo coronavírus. Grande expectativa vem sendo criada com a disponibilização destes testes, considerando-se a possibilidade de realização em maior escala, em relação aos testes moleculares, e a disponibilização de testes rápidos, que produzem resultados em menos de 1h, e não necessitam de estrutura laboratorial para sua execução.
Pontos importantes que precisam ser considerados com relação aos testes imunológicos e sua aplicação na infecção pelo coronavírus:
— A resposta imunológica depende de fatores individuais tanto do hospedeiro, quanto das características do antígeno utilizado, o que significa que o aparecimento de anticorpos pode ser mais precoce ou mais tardio a depender do indivíduo. A literatura médica já disponível a respeito da resposta imune ao SARS-CoV-2 ainda é bastante limitada e indica o aparecimento de anticorpos das classes IgA e IgM, em média, a partir do 7º dia desde o início dos sintomas, seguido pelo elevação dos níveis de IgG - o que significa que o teste, aplicado em pacientes na fase aguda da doença, possui um baixo valor preditivo negativo, ou seja, um resultado negativo não exclui a doença nem possibilidade de infectar outros indivíduos. Por outro lado, um resultado positivo possui elevado valor preditivo.
— Para a realização de ensaios imunológicos, estão disponíveis algumas tecnologias, a saber: ELISA, quimioluminescência e imunocromatografia, sendo o último conhecido popularmente como “teste rápido”. Alguns deles são baseados na detecção de anticorpos totais, e outros fazem a identificação em separado de IgM e IgG, raros também IgA. Independentemente das características do aparecimento de anticorpos no indivíduo, o poder de detecção destes anticorpos pelas técnicas laboratoriais depende de uma série de propriedades do ensaio, que se traduzem nas características de desempenho do teste, como por exemplo a sensibilidade analítica (limite de detecção) e a especificidade analítica (menor interferência de outras substâncias ou antígenos).
Conhecendo-se essas premissas e com a experiência adquirida até o momento pela literatura médica e ensaios de validação ainda parciais executados pelos laboratórios brasileiros, na aplicação de testes imunológicos para diagnóstico de coronavírus, a SBPC/ML traz o seguinte posicionamento:
— Um resultado negativo para o SARS-CoV-2 por métodos imunológicos não exclui a possibilidade de infecção, principalmente nas fases iniciais da doença (primeiros 7-10 dias desde o início dos sintomas). Os testes imunológicos não possuem acurácia suficiente para serem utilizados como triagem de quadros respiratórios quanto à etiologia por SARS-CoV-2.
— Plataformas analíticas baseadas em ELISA e quimioluminescência (realizadas dentro de ambiente laboratorial por técnicas automatizadas) apresentam desempenho analítico superior aos testes imunocromatográficos (rápidos), porém mesmo assim tem demonstrado valor preditivo negativo inferior a 50% na fase inicial da doença (primeiros 7 dias desde o início dos sintomas).
— Os testes imunocromatográficos (rápidos) apesar de serem de fácil realização e não dependerem de equipamentos laboratoriais, devem ser realizados por pessoal treinado, bem como interpretados por profissionais experientes, portanto recomenda-se que sejam sempre realizados sob a responsabilidade e supervisão de um laboratório clínico legalmente habilitado.
A fase de verificação analítica dos testes é uma etapa imprescindível antes da utilização de qualquer método laboratorial e é uma responsabilidade da instituição que realizará os testes. As características de desempenho trazidas pelos fabricantes em sua validação, principalmente em se tratando de testes rápidos, não são padronizadas, em geral não trazem as características da população testada e muitas tem trazido um número de amostras inadequadamente baixo para a confiabilidade dos dados. Mais uma vez coloca-se a importância da realização destes testes sob a responsabilidade de um laboratório clínico, que é quem detém a capacitação e a disponibilidade da testagem dos novos conjuntos diagnósticos contra testes já validados em populações já conhecidas de doentes, em fases diferentes de infecção e esgotando ao máximo as possibilidades de interferência, podendo assim responder pela sensibilidade e especificidade dos testes. Como qualquer diagnóstico laboratorial, a realização de testes imunológicos para o SARS-CoV-2 precisa observar a regulamentação pela RDC n.302 de 13 de outubro de 2005.
Considerando-se os pontos acima, trazemos como potencial contribuição dos testes imunológicos ao diagnóstico de SARS-CoV-2:
— Diagnóstico de pacientes hospitalizados com quadro tardio (após o sétimo dia desde o início dos sintomas), como primeira opção antes da reação de PCR. Entretanto, um resultado negativo, neste contexto, não descarta o diagnóstico, sendo recomendada a realização de exame molecular específico (RT-PCR).
— Avaliação de retorno ao trabalho para profissionais de saúde, a partir do sétimo dia de sintomas. Da mesma forma que no item anterior, um resultado negativo não descarta o diagnóstico, sendo recomendada a realização de PCR. A demonstração da infecção pelo coronavírus respalda o afastamento dos profissionais de saúde conforme as recomendações e critérios da Organização Mundial da Saúde.
— Informações epidemiológicas referentes à “imunidade de rebanho” (percentual de pessoas já expostas na população e que já desenvolveram anticorpos), no decorrer dos próximos meses.
Fonte
http://www.sbpc.org.br/